terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Comissão da Verdade revela: Ditadura mandou aposentar Vinicius de Moraes por embriaguez

Ditadura pediu aposentadoria de Vinicius de Moraes do Itamaraty por embriaguez

por Leandro Melito - Portal EBC

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Vinicius de Moraes trabalhando como diplomata (Reprodução/TV Brasil)
Brasília - A Comissão de Investigação Sumária, criada em 1969 pelo governo militar, pediu a aposentadoria do poeta, compositor e então diplomata Vinicius de Moraes por motivo de "embriaguez". Ele exercia a função de primeiro secretário no Itamaraty. O nome do célebre artista brasileiro aparece no relatório daquela comissão, após a edição do Ato Institucional nº 5 (AI-5), momento mais duro do regime. A comissão de investigação, que era presidida por Antônio Câmara Canto, recomendou a aposentadoria compulsória de diplomatas por conta de suas "condutas pessoais".

Em razão de seus méritos, a comissão recomendou que ele fosse transferido para o Ministério da Educação, mas a medida encontrou "obstáculos" e o poeta foi obrigado a encerrar a carreira como diplomata iniciada em 1943.

O caso de Vinicius de Moraes não foi isolado. "O relatório secreto da comissão  recomendou a aposentadoria compulsória de sete diplomatas e seis servidores administrativos, sob a alegação de "homossexualismo" , sugeriu a submissão de exames para comprovação de condutas homossexuais a dez diplomatas e dois servidores; propôs a aposentadoria de catorze funcionários por embriaguez e outros dois por risco à segurança nacional e convicções ideológicas consideradas subversivas", aponta o relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV).

Confira a íntegra do relatório final da CNV

O documento encontrado pela CNV esclareceu a saída de Vinicius do órgão diplomático e confirmou a versão sobre o episódio veiculada pelo jornalista Carlos Castello Branco  em sua coluna no Jornal do Brasil em novembro de 1990 intitulada "Como Vinicius Deixou o Itamaraty". No texto em que reproduz carta de um amigo pessoal de Vinicius ao qual preserva o anonimato, ele aponta que entre "alcoólatras, pederastas e subversivos" então afastados da carreira Vinicius teria sido "vagamente enquadrado nessa última categoria".

A coluna foi publicada justamente para contrapor outra versão sobre o episódio que consta no livro Chega de Saudade - a história e as histórias da bossa nova, em que Ruy Castro atribui o fim da carreira diplomática de Vinicius a uma ordem do então presidente Arthur da Costa e Silva transmitida em memorando dirigido ao ministro do Exterior da época, José de Magalhães Pinto, relatada da seguinte maneira no livro:

"’Assunto: Vinicius de Moraes. Demita-se esse vagabundo. Ass. Arthur da Costa e Silva. Com este grosseiro memorando ao chanceler Magalhães Pinto, o marechal-presidente decretou a saída do poeta do corpo diplomático em fins de 1968. Vinicius recebeu a notícia em alto-mar, a bordo da banheira de sua cabine no navio Eugênio C. Chorou convulsivamente, porque adorava o Itamaraty".

Confira o especial sobre o centenário do Vinicius de Moraes

Cerca de um mês depois uma nova coluna de Castello Branco no JB com o título Ainda sobre a cassação de Vinicius de Moraes trouxe outra carta, desta vez da irmã de Vinicius, Laetitia C. de Moraes Vasconcellos. No texto, a irmã do poeta reafirma a existência do comunicado entre o presidente militar e seu ministro, mas situa ela no período que antecedeu a instituição do AI-5, portanto antes de se consumar a cassação. "Segundo o que o próprio Vinicius, meu irmão, relatou à minha irmã Lygia, antes mesmo da edição do AI-5, ele soubera, através de amigos no Itamaraty, que o presidente enviara a famosa nota ao então ministro Magalhães Pinto, vazada nos seguintes termos: 'Demita-se esse vagabundo’".

Segundo aponta o relatório final da CNV, a Comissão de Investigação Sumária foi criada no ministério das Relações Exteriores em 1969, logo após a edição do AI-5 pelo então ministro das Relações Exteriores José Magalhães Pinto, por meio de um memorando secreto enviado para o chefe do Departamento de Administração, o embaixador Manoel Emílio Pereira Guilhon, em que determinava a “a constituição, sob sua presidência, de uma Comissão de Investigação”.

"Segundo atas de reuniões dos dias 3 e 7 de janeiro de 1969, as primeiras gestões foram o envio de circulares-telegráficas às missões diplomáticas e repartições consulares, bem como instruções aos chefes em serviço na Secretaria de Estado, reforçando a necessidade de serem observados os princípios e propósitos do AI-5 e do Ato Complementar nº 39", aponta o relatório da CNV. Um memorando de 15 de janeiro de 1969 enviado pelo ministro ao presidente da comissão recomendava o exame rigoroso de “casos comprovados de 'homossexualismo' de funcionários do Ministério suscetíveis de comprometer o decoro e bom nome da Casa, tendo em vista o possível enquadramento dos indiciados nos dispositivos do Ato Institucional no 5”.

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A carreira diplomática

Após ser aprovado para o Itamaraty em 1943, Vinicius assumiu o primeiro posto diplomático como vice-cônsul em Los Angeles em 1946. Nos anos 1950,  atuou no campo diplomático em Paris e em Roma, onde costumava realizar  encontros na casa do escritor Sérgio Buarque de Holanda. Vinícius foi anistiado (post-mortem) pela Justiça em 1998. A Câmara dos Deputados brasileira aprovou em Fevereiro de 2010 a promoção póstuma do poeta ao cargo de "ministro de primeira classe" do Ministério dos Negócios Estrangeiros - o equivalente a embaixador, que é o cargo mais alto da carreira diplomática. A lei foi publicada no Diário Oficial do dia 22 de junho de 2010.


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