segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Alceu Valença Prega a Originalidade Brasileira

ALCEU VALENÇA: 'Me lixo para o lixo'
por
Rodrigo Teixeira


Alceu Valença em 1978
O título acima é sugestão do próprio sujeito enfocado na entrevista. O entrevistado, aliás, é uma verdadeira usina de frases de efeito e idéias cheias de personalidade. É capaz de dizer muitas palavras em um curto espaço de tempo e misturar vários assuntos em uma mesma frase como os repentistas nordestinos. Um tópico, no entanto, que é freqüente em sua verdadeira explanação sobre qualquer tema é a necessidade do Brasil ser mais Brasil.

O nome da 'fera' é Alceu Valença, o artista que virou sinônimo de Nordeste e que consegue um feito para poucos: ser admirado por todas as classes e em todas as regiões do país. Neste domingo, o intrépido pernambucano vai constatar a sua popularidade em Campo Grande. Alceu foi a principal atração do projeto "MS Canta Brasil", que acontece sempre nos primeiros domingos de cada mês no Parque das Nações Indígenas, em Campo Grande. A entrada é gratuita. Oito mil pessoas compareceram ao show de Alceu!

O compositor de "Morena Tropicana", "Como Dois Animais" e "Coração Bobo" já veio algumas vezes ao Mato Grosso do Sul. Se apresentou no extinto "Temporada Populares", no "Festival de Inverno de Bonito" e "Festival América do Sul", em Corumbá.

Na entrevista por telefone de sua casa no Rio de Janeiro, citou os artistas sul-mato-grossenses Almir Sater e Tetê Espíndola como exemplos da originalidade que ele tanto prega e defende. "Está acontecendo uma total falta de originalidade no Brasil e as pessoas cada vez mais americanalizadas. O artista tem que ser incomparável", critica o pernambucano nascido em São Bento do Una em 1946.

Com dezenas de discos lançados, Alceu Valença iniciou a carreira em 1972, com um disco com o parceiro Geraldo Azevedo. Mas foi a apresentação ao vivo no "VII Festival Internacional da Canção" no Rio de Janeiro com a música "Papagaio do Futuro" com direito a presença no palco do emblemático Jackson do Pandeiro que definitivamente chamou a atenção de todos.

Muito antes do Greenpeace se tornar esta instituição tão (re)conhecida, Alceu já exercitava seu discurso irônico e inteligente bradando palavras como um 'papagaio do futuro' tipo 'eu fumo e tusso fumaça de gasolina, olha que eu fumo e tusso'. O sucesso, no entanto, chegou na década de 80, quando as rádios do Brasil inteiro não paravam de tocar hits de Alceu. Desde então, o compositor foi se tornando sinônimo de Nordeste até se transformar em uma unanimidade nacional.

Confira abaixo a entrevista com Alceu:

Rodrigo Teixeira - Você é pernambucano, mas se transformou em um artista brasileiro. Como você administra o regional e o universal em sua música?
Alceu Valença – O meu lado pernambucano está de forma intrínseca em toda a minha obra. Eu utilizo do rock o timbre e a distorção da guitarra, a sonoridade. Mas fazer arte é ser diferente, ser você mesmo. Por isso não tenho a menor vontade de ser Rolling Stones ou Elvis Presley. O artista não precisa ser igual a ninguém. Eu sou incomparável e faço as coisas da minha maneira. Atualmente paradigmas terríveis estão sendo criados. Todos estão pegando os trejeitos dos Estados Unidos. Acompanho este processo desde 1985 quando viajei para Portugal. E nesta onda entra o Brasil e a maioria dos países do mundo. Os cantores mudam a maneira de cantar em qualquer canto do planeta para parecer norte-americano.

Mas a sua obra tem também a influencia da música norte-americana.
Sim. Mas de forma diluída. O problema é imitar. Vejo os clipes de rap, por exemplo, e é uma imitação. Aponto o Marcelo D2 e o Gabriel Pensador como artistas que fazem um rap e funk diferentes. O resto é igual ao norte-americano, com boné, roupa, tênis e voz igualzinho ao pessoal dos Estados Unidos. É uma cópia deslavada.

E como você consegue se diferenciar e chegar a uma fórmula de música original ou mais brasileira?
Eu faço do meu jeito. Não sou contra o blues e o rock, sou até a favor. Mas gostaria de ver os artistas sendo mais originais, cada um com seu próprio jeito. Eu posso cantar uma música bem tradicional do Nordeste e colocar a influencia do blues. Mas desde que seja do seu modo.

O Nordeste parece longe demais dos países da América do Sul, apesar do Brasil ser um deles. Esta latinidade que estados como o Mato Grosso do Sul possuem por ser mais próximo das fronteiras deveria ser mais usado na música brasileira?
Com certeza e acho até que os sertanejos já utilizam isso bem e 'abrasileiram' a música latina. Mas não acho que deve ser algo obrigatório só pelo fato de ser perto da fronteira. Tem que modificar a influencia de forma natural e não política. Porque mesmo estados mais próximos da fronteira, como a Argentina, são mais influenciados pela cultura dos Estados Unidos por uma questão política, econômica e de colonização. Esta é uma responsabilidade que os órgãos competentes deveriam tratar com seriedade. Porque estão destruindo a música brasileira. Rock é bom, mas tem o apoio do governo norte-americano e de Hollywood. Não é possível só fazer cópia e imitação. Temos que combater a indústria como negócio e os empresários que lançam modas que não ajudam a verdadeira cultura brasileira.

Como assim?
Existem donos de bandas no Nordeste que estão destruindo o forró. Em Pernambuco, depois que veio a geração de Chico César e Zeca Baleiro, não apareceu mais nada. E mesmo estes dois não foram bem divulgados. Então o que acontece é que os artistas acabam indo para a Europa porque não tem mais lugar aqui no próprio Brasil. Os culpados são os donos de bandas que imprimem a marca forró em conjuntos que são contratados deles.

Mas isso acontece com outros gêneros também. O frevo, por exemplo, não é sufocado pelo axé music?
O frevo é algo mais de Pernambuco e que tem destaque mais nas semanas de Carnaval. O axé tem todo direito de sê-lo porque ainda é brasileiro, embora se possa gostar ou não. E na época que o axé estourou realmente muitas pessoas foram beneficiadas. É diferente destas bandas de forró que caem na moda. Porque fazem um forró que não é forró. São estas bandas que misturam um nome com outro, como 'alhos com bugalhos' entende?

Sim. Você acredita que estas bandas não seguem a tradição de Gonzagão, por exemplo? Com certeza não.

Quais os artistas que você citaria como bons exemplos de novos talentos do Nordeste?
O Silvério Pessoa, por exemplo, é sensacional e acaba indo tocar mais na Europa. O Mestre Ambrósio que é maravilhoso é uma banda que não aconteceu.

Qual a sua opinião sobre o manguebeat?
Um grande movimento, mas que ainda não existia quando o Chico Science morreu. Na época que eles vieram ao Rio pela primeira fui aos shows. E não foi aquele pipoco todo que tinha que ser. Hoje comparam a banda Calypso com a Nação Zumbi, que é muito melhor e uma das maiores bandas de rock do Brasil. Mas no nosso país o que é bom tem que ser imitação.

Quais os artistas que são originais na sua opinião?
Vamos ver artistas originais e com sentimento. O próprio Almir (Sater) é genial. Gosto muito da menina Tetê (Espíndola). Ela é clássica. Não posso deixar de citar o Luiz Melodia. Outros artistas de personalidade são os conterrâneos Geraldo Azevedo, Chico César e Zeca Baleiro. O que eu não suporto é lixo cultural. Aliás, pode colocar como título da entrevista 'Me Lixo para o Lixo'.

Como analisa a questão de hoje em dia as gravadoras não terem mais tanta força como no passado?
A partir dos anos 90 eu fui me tornando independente. Porque percebi que estava começando a ter que sentar com pessoas que dirigiam as gravadoras, mas não entendiam nada de música e sim de vender sabonete e carro. E eles então não tinham assunto comigo. Porque até então eu conversava com diretores do gabarito de um Mazzola e de um Guto Graça Mello, que são pessoas a favor da boa música. Então decidi começar a rodar o Brasil e desde então tive que parar de fazer o circuito da Europa que fiz muito até os anos 80. Só voltei este ano. Fui trabalhar o público do Brasil para não ter interferência e ser engolido por eles.

Você é conhecido por falar o que pensa. Estamos em um período de que no Brasil?
Eu mantenho o mesmo discurso que tinha desde os anos 70. O Brasil não cuida do Brasil. As coisas brasileiras precisam pedir licença em seu próprio país. A Lapa, no Rio de Janeiro, é tipo o último reduto do choro. Mas agora as grandes empresas estão invadindo e montando casas de espetáculos. E aí a alma vai se perdendo. Por que não existem mais festivais de música brasileira? Porque o povo não gosta do Brasil? É mentira. Em agosto de 2006, por exemplo, eu reuni no meu show 'Marco Zero' aproximadamente 140 mil pessoas em Pernambuco. Era uma homenagem aos 100 anos do frevo e pedi para todo mundo ir fantasiado. Muitos disseram para mim que ninguém iria. Acabou que até gente vestido de Che Guevara apareceu. Ou seja. Ficam querendo vender que a moda é ser 'emo', ser triste. Eu acho que deveriam aproveitar e se suicidarem todos. Porque no Brasil tem que ser o contrário. Ter alegria e cumplicidade. Isto sim é a música brasileira. Uma coisa de namoro, sensualidade e não violência. Quando o Che apareceu como o grande rebelde do mundo os Estados Unidos inventaram a rebeldia do rock, mas uma rebeldia sem causa, ao contrário do Che. Por isso eu acho ridículo quem quebra uma guitarra elétrica. Em vez disso seria melhor que o cara fosse namorar, catar uma mulher...

Em 'Papagaio do Futuro', ainda na década de 70, você dizia na letra 'eu fumo e tusso fumaça de gasolina', já fazendo uma crítica em relação ao mau trato do meio ambiente. O que você pensa disso hoje em dia?
O discurso político em torno do meio ambiente ainda é necessário. Esta música 'Papagaio do Futuro' foi criada por causa da crise no petróleo na época. Eu nasci no interior e o disco 'Espelho Cristalino', em 1977, foi inspirado nos rios que não corriam mais por causa da seca. Me preocupo muito com isto ainda. E acho que os estados do Brasil Centrais, como o MS, têm que se preocupar mais ainda. Porque na verdade esconderam por muito tempo os problemas relacionados ao meio ambiente. Os EUA não assinarem Protocolo de Kioto, por exemplo, e isso foi destinar a humanidade ao suicídio. Para nós que já estamos rodados ainda tudo, mas temos filhos que estarão lá na frente. Então é o que eu falo. Não somos nada sem conhecer o passado, viver o presente de forma honesta e projetar o futuro. E eu sou o Papagaio do Futuro.

O país avançou em termos de política cultural?
Os pontos de cultura criados pelo MinC são pontos a favor. Este projeto favorece realmente os mais carentes, mas a barreira ainda está na mídia, na imprensa. Nós temos que aprofundar a discussão e a divulgação da cultura brasileira tem que ser em escala bem maior. Eu não sou do PT e de nenhum partido, embora tenha votado no Lula, e acho que o assistencialismo é emergencial, porque estamos ficando 'americanalizados'. Nós temos que mostrar a cultura brasileira. Valorizar. Porque hoje em dia no Brasil o cara de 50 anos que perde um emprego não trabalha nunca mais. O cara vai deitar para morrer? Não dá. Ser Humano é igual a educação e sabedoria para mim. Eu digo tudo isso não por mim, porque para mim está cada vez melhor. Faço muitos shows e meu negócio anda bem. O problema é que hoje no Brasil não tem mais espaço para artistas novos. Um artista de talento se destacar hoje no país não é mais apenas difícil e sim quase impossível.

*Matéria publicada no jornal 'O Estado de MS' em 01/12/2007

Fonte: Overmundo

2 comentários:

Diego Matias disse...

Show de bola! Curti demais o show do Alceu aqui em Corumbá! Estou louco pra saber quem estará no próximo ano e torço pra que ele volte a ter a qualidade das 2 primeiras edições.

Bela entrevista, parabéns!

Yerko Herrera disse...

Opa, valeu Diego! Agradeço a visita. Essa entrevista não é minha, ela é apenas uma reprodução da entrevista feita por Rodrigo Teixeira, do O Estado de MS, republicada no Overmundo, ao Alceu Valença. Ficou legal mesmo esse bate-papo com o cara.

Abração,
Yerko Herrera.